VIII Congresso da Associação Portuguesa de Antropologia
Évora, 6 a 9 de junho de 2022
Atividades realizadas no âmbito do VIII Congresso da APA (https://apa2022.apantropologia.org/) :
Painel 080 - O Cuidado: prácticas, discursos e gramáticas emocionais
Coordenação: Antónia PEDROSO DE LIMA | ISCTE-IUL | CRIA | antonia.lima@iscte-iul.pt, Maria Claudia COELHO | UERJ | mccoelho@bighost.com.br
Resumo curto: Este painel propõe explorar as articulações teóricas entre as análises sobre cuidado e a antropologia das emoções, a partir de uma questão comum: a assimetria estabelecida pelo cuidado e a relação entre autoridade/poder/hierarquia e emoções específicas, tais como a gratidão, a compaixão, a esperança, o desprezo e a vergonha.
Resumo longo: Nas teses sobre o cuidado encontramos, entre seus desdobramentos temáticos e teóricos, uma tensão entre cuidar e suas implicações sobre o poder/controlo e a autoridade, implí-citos na assimetria que o cuidar estabelece entre quem cuida e quem é cuidado. Por sua vez, a antropologia das emoções vem, desde o início dos anos 1990, dedicando atenção à dimensão micropolítica das emoções e à ca-pacidade que as emoções têm de dramatizar, alterar ou reforçar as macro estruturas hierár-quicas em que as interações entre indivíduos se dão. A gratidão, a compaixão, a esperança, o desprezo, a humilhação, a vergonha, a culpa e o nojo, fazem parte do conjunto de emoções capazes de fazer esse papel. Este painel pro-põe um cruzamento entre estas duas áreas de investigação, convidando trabalhos que reflitam sobre o modo como as gramáticas emocionais engendradas pelos actos de cuidar e ser cuidado permitem uma compreensão aprofundada da assimetria assim estabelecida.
S1.N1 - Dignidade nos cuidados e na morte: a crise das residências para idosos/as na Espanha aos olhos das famílias
Sílvia Bofill-Poch - Universitat de Barcelona - bofill@ub.edu, Raúl Márquez Porras - Universitat de Barcelona - raulmarquez@ub.edu
Resumo curto: Partimos das demandas por justiça promovidas por grupos de parentes motivadas pela indignação que produz a gestão da crise da covid-19 nos lares de idosos/as na Espanha, a fim de analisar as gramáticas emocionais contidas nesses quadros de protesto, gramáticas que apelam à dignidade dos idosos/as como um valor político, jurídico e moral.
Resumo longo: Nossa comunicação analisa as demandas por justiça promovidas por grupos organizados de familiares, motivadas pelo sofrimento e indignação produzidas pela gestão da crise da covid-19 em centros residenciais para idosos na Espanha. Situamos nossa pesquisa no contexto da crise do modelo residencial que irrompeu durante a pandemia, com uma taxa muito alta de afetação e mortalidade dos residentes e uma resposta institucional insuficiente e insatisfatória. Nesse contexto, são conformados grupos e plataformas de parentes que realizam distintos tipos de mo-bilizações e iniciam procedimentos judiciais contra a administração e as direções das resi-dências. Alegam tratamento indigno, discri-minação e violação de direitos fundamentais. Concentramo-nos na gramática emocional contida nesses quadros de protesto (ou quadros de injustiça), gramática que apela para a dignidade dos idosos como um valor político, legal e moral fundamental. E analisamos como tais demandas questionam o modelo de assistência residencial na Espanha, bem como as políticas de saúde e de gestão de crises, em geral. A pesquisa se enquadra dentro dos projetos CUMADE. Cuidados (2020-21) e CAREMODEL. O modelo de cuidados de longo prazo em transição: estratégias políticas, fami-liares e comunitárias para lidar com as conse-qüências da pandemia de Covid-19 (2021-2024)
S2.N1 - Quem controla o parto humanizado
Jane Russo - Instituto de Medicina Social / UERJ jane.russo@gmail.com, Raúl Márquez Porras - Universitat de Barcelona - raulmarquez@ub.edu, Maria Claudia Pereira Coelho – Instituto de Ciências Sociais / UERJ - mccoelho@bighost.com.br, Marina Nucci – Instituto de Medicina Social - UERJ - marinanucci@gmail.com
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Resumo curto: Discutiremos os sentidos do controle/ descontrole no movimento do parto humanizado, que preconiza um parto o mais desmedicalizado possível, valorizando o protagonismo da mulher. Exploraremos contradições, como a de que, no momento do parto, a parturiente, controlada por emoções e instintos, não estaria em condições de fazer as melhores escolhas.
Resumo longo: A preocupação em facilitar o parto e torná-lo uma experiência menos traumática fez surgir, no século passado, movimentos de revisão do parto, como o “parto sem dor”, que visavam reduzir as dores do parto através da reeducação física e psíquica da gestante. A partir de então, novas propostas foram aparecendo, focadas no combate à assimetria entre médico e paciente e no incentivo ao protagonismo e autonomia da parturiente, desembocando, no Brasil, no atual movimento pela humanização do parto. Neste trabalho buscaremos discutir os diferentes sentidos atribuídos ao par controle/descontrole no movimento do parto humanizado. Fundamentando-se na ideia de que o corpo feminino “sabe” parir, calcada em modelos supostamente advindos de culturas “primitivas”, defende-se um modelo de cuidado com intervenções médicas reduzidas, cabendo à mulher fazer as escolhas acerca do parto e ditar o seu desenrolar, enquanto segue instintos que fogem ao controle da razão. Tal processo, entretanto, pode conter contradições. O protagonismo e autonomia da mulher – e seu controle sobre o processo – podem ser contrariados caso se considere que a partu-riente, justamente por estar sendo controlada por suas emoções, não está em condições de fazer as melhores escolhas.
S2.N2 - Gratidão e cuidado em relatos de parto de sites ingleses
Claudia Barcellos Rezende - Departamento de Antropologia UERJ - cbrezende65@gmail.com
Resumo curto: Neste trabalho, examino a presença ou ausência do sentimento de gratidão em relatos de parto de dois sites ingleses como forma de entender as percepções das mulheres sobre suas experiências, as dinâmicas da assistência ao parto na Inglaterra e noções sobre o que seja um bom cuidado.
Resumo longo: Neste trabalho, examino a presença ou ausência da gratidão em relatos de parto de dois sites ingleses como forma de entender as percepções das mulheres sobre o cuidado e assistência que receberam. Nos relatos, nem sempre a gratidão é expressa e nem sempre ela se dirige à equipe de saúde – agradece-se às doulas ou aos próprios sites, cujos vídeos de preparação para o parto teriam sido importantes para uma experiência positiva. O bom cuidado no parto nesses relatos está associado a uma boa comunicação entre parturiente e midwife (parteira), especialmente nas informações recebidas sobre os procedimentos e sobre o que fazer ao longo do trabalho de parto. Assim, tanto nesses relatos quanto na literatura de saúde pública sobre o parto, a boa equipe é aquela que dá à mulher condições de tomar suas próprias decisões, de fazer suas escolhas informadas. Ao fazê-lo, empodera a mulher e reduz a assimetria na relação entre profissional e paciente. Ao contrário, informações contraditórias ou pouca informação podem produzir ansiedade e desconforto. Argumento assim, que o sentimento de gratidão, ausente ou presente nos relatos de parto, ilumina as dinâmicas da assistência ao parto na Inglaterra, revelando o que se constitui um bom cuidado.
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